Reflexão
O conselho Latino-americano de Ensino de Arte (CLEA), que representa os países da América Latina e do Caribe na International Society for Education Through Art (INSEA) possui como meta a valorização do ensino de arte formal na escola, tratando-o como área de conhecimento. Vários arte-educadores tem se organizado em nosso país buscando o fortalecimento do Ensino de Arte no Brasil. Falta-nos direcionar quais conteúdos e métodos poderemos articular para dar mais significado ao ensino de arte nas escolas.
A partir da orientação encaminhada pela secretaria de Educação de Juiz de Fora visando uma construção coletiva relacionada a uma proposta curricular nas diversas áreas de ensino, creio que devemos lutar pela valorização das subáreas de artes visuais, teatro, dança e música, assim como, por uma definição mais especifica das linguagens e códigos que serão utilizados nestas diversas áreas.
Preocupa-me a indefinição sobre quais conteúdos e métodos serão utilizados, pois sem uma diretriz mínima abre-se um espaço para a omissão de conteúdos ou a escolha extremamente pessoal do professor que pode acabar prejudicando a formação do aluno nas séries subsequentes à sua formação.
Qual conteúdo o professor de Artes está apto a elaborar para suas atividades em sala de aula? Cabe aqui um questionamento em relação à formação profissional dos professores de Artes, e se estão recebendo todo o conhecimento que precisam, para fazerem estas escolhas com segurança. Percebemos muitos profissionais que se sentem inseguros em relação ao conteúdo que devem transmitir. E isto, transforma-se num círculo vicioso, pois se a Universidade falha na formação do professor este vai ter dificuldades para realizar a formação de seus alunos e muitas vezes deixam de ensinar conteúdos sobre os quais não se sentem aptos para desenvolver em sala de aula. A experiência, assim como a maior capacitação muitas vezes é uma conquista lenta e difícil de ser implementada e colocada em prática na escola.
A bagagem essencial do professor é seu repertório profissional que é adquirido pela prática. Porém, não é a prática por si só que é formadora, ela deve sempre ser acompanhada da reflexão sobre a experiência, pois é a reflexão sobre a experiência que é formadora e não a experiência por si só.” (NÓVOA, 2004)
Defendo a idéia de um currículo base que oriente o professor nesta ação, pois a falta desta definição está trazendo como conseqüência grandes defasagens de conhecimento e falta de conteúdos importantes para que os alunos que escolheram a área artística possam direcionar suas potencialidades.
Como trabalho com projetos nos cursos de: Desenho Artístico e Quadrinhos e Desenho de Moda, percebo eo desconhecimento de certos conteúdos pelos alunos que chegam às oficinas, que são primordiais para o seu desenvolvimento na área artística. O desconhecimento de estruturas de desenho, de formas geométricas, noções de perspectiva e profundidade, lateralidade, figura e fundo. O domínio na utilização de materiais e equipamentos artísticos. A falta de percepção de visão espacial e o pouco desenvolvimento de sua “compreensão estética” . Estas defasagens dificultam o aprofundamento de técnicas artísticas e podem servir de desestímulo para muitos jovens que se sentem sem condições de progredir artisticamente, sendo que parte de suas dificuldades têm como causa a falta de conteúdo e vivências que lhes foram subtraídas quando estavam em suas fases iniciais de formação.
Segundo Ana Mae há uma diferença muito grande entre a teoria e a prática em relação ao ensino de arte nas escolas:
[…] Eu acho que nós somos Dom Quixotes, principalmente para convencer os políticos de que a arte é importante. Você mesmo foi uma pessoa que participou da enorme luta durante oito anos que nós tivemos para manter a arte no currículo das escolas. Aliás, manter mais ou menos, porque a lei de diretrizes e bases exige a arte na escola fundamental e média, mas como não determinou que a arte deve estar em todas as séries do ensino fundamental e do ensino médio, há escolas que estão colocando arte no primeiro ano do ensino fundamental e no primeiro ano do ensino médio e pronto, acham que é assim estão cumprindo a lei. Nós vamos ter que continuar lutando mesmo. Eu acho que tem outro aspecto que não é compreendido: a importância da arte para a melhoria de qualidade de muitas profissões. Você tem uma indústria cultural alimentadora da nossa economia; agora você tem pessoas trabalhando em revistas, em produção de revista, em produção de livros. Essas pessoas seriam melhores profissionais se conhecessem a arte. Eu não posso imaginar um bom profissional nessa área, sem ter ouvido falar na Bauhaus [uma das mais influentes escolas de design do mundo], você ser capaz de distinguir o que é um bom produto gráfico de um produto gráfico medíocre. Você tem a indústria de música também, a produção de discos, a produção de fitas cassete, não é preciso um bom profissional que conheça de música para saber quando o produto está bom?
Em uma entrevista que Ana Mae concedeu ao Programa Roda Viva , vemos sua resposta a indagação da jornalista Ana Maria Sanchez (especializada na área de educação) sobre o currículo para o ensino fundamental:
[…] Ana Maria Sanchez: Falando em currículo, por favor [dirige-se ao colega do seu lado direito], sabe-se que a senhora tem algumas restrições ao currículo para o ensino fundamental de primeira à oitava série que o Ministério da Educação preparou e lançou recentemente. A senhora poderia falar alguma coisa sobre isso?
Ana Mae Barbosa: Eu acho que as minhas restrições são até mais teóricas do que propriamente práticas. Eu acho que eles acertaram quando convidaram equipes de grandes especialistas. Ninguém pode duvidar da capacidade das pessoas que eles convidaram para fazer o currículo de arte. Uma das minhas grandes objeções é a “desestorização” [não-historicidade] da educação nesse currículo. Porque eles convidaram o professor César Cool [importante pensador espanhol que influenciou significativamente a reforma educativa ocorrida na Espanha, também é presença marcante na reforma educacional brasileira, em que atuou como um dos consultores dos PCNs (Parâmetros Curriculares Nacionais)], da Espanha, e as linhas gerais que ele deu para esses professores nacionais era não mencionar nenhuma outra conquista anterior, nenhum outro processo de ensino anterior e, inclusive procurar descaracterizar o que havia de histórico, mudando inclusive as próprias palavras. Veja bem, há muito de Paulo Freire nesse currículo, entretanto em nenhuma vez é usada a palavra conscientização, porque ela é marca de Paulo Freire, então não podia haver nada que pudesse ser identificado como algo histórico já do nosso país. Nisso eu me insurjo, eu acho que isso é quase fazer o que fizeram os espanhóis no México e no Peru: destruir a história para reinar[…].
Há mais de vinte e cinco anos, Ana Mae iniciou no Brasil a discussão sobre o uso da imagem no ensino de arte, e a partir de então muita coisa mudou em nossa prática em sala de aula, e poderá mudar mais ainda. Mas precisamos der uma atenção especial para a formação continuada do professor que precisa adquirir mais recursos e subsídios adequados para utilizar em suas propostas. Experimentamos nos últimos anos uma ampla oferta de imagens e textos através da internet e recursos, tais como: salas de informática e data-show na escola, o que possibilitou ampliar as discussões sobre a arte e o fazer artístico. Mas é necessário capacitar os professores para que possam utilizar esses recursos da tecnologia com mais segurança e eficiência.
Eu particularmente não gosto de trabalhar só com releituras de imagens pois acho que perdemos a oportunidade de dar subsídios para que o aluno aprenda a criar sua própria linguagem e estilo.
Vivenciar a produção de artistas, assim como refletir sobre o fazer artístico é muito enriquecedor para o aprendizado de Arte, mas em relação às artes visuais em muitas escolas não estão sendo trabalhados conteúdos sobre os elementos da forma, proporção, luz e sombra, perspectiva e noções práticas sobre algumas técnicas de desenho que podem facilitar o direcionamento dos jovens para algumas áreas profissionais da Arte, tais como: o Design, a Animação, a Moda, a ilustração e até o Web Design.
Em 23 de setembro, próximo passado, o Ministério da Cultura divulgou através de nota à imprensa, o que se espera ser um passo decisivo na consolidação de uma plataforma de moda consistente e, de fato, representativa no Brasil. Estiveram reunidos em Salvador (BA), 150 representantes da cadeia produtiva para o 1º Seminário de Moda, que visa formular o chamado Plano cultural para o setor. Esta perspectiva abre mais um campo para trabalharmos a Arte associada a Moda. Esta perspectiva coloca o CEM (Centro de Educação de Jovens e Adultos) há um passo a frente nesta iniciativa, já que o nosso curso de Desenho de Moda teve início em 2007 e a cada dia mostra-se como uma alternativa importante de capacitação de mão de obra feminina (em sua maioria) na área de Estilo e Moda. Acho mais importante ainda esta iniciativa pelo fato de estarmos ocupando um espaço aonde outrora foi uma Fábrica de Tecelagem, a Cedro e Cachoeira, fundada pelo grande empreendedor que foi Bernardo Mascarenhas.
Juiz de Fora merece uma ampliação no investimento em Educação e principalmente em cursos relacionados as Artes por serem uma alternativa natural para uma cidade que durante anos foi a “Princesa de Minas” e que pela sua característica sempre abraçou o pioneirismo e a cultura como grandes tesouros a serem multiplicados.
Rose Valverde – Profª. Regente B – Artes, CEM – Centro de Educação de Jovens e Adultos – PJF; Especialista em Arte, Cultura e Educação / IAD – UFJF; Artista plástica e Designer.
Compreensão E2stética – Termo utilizado por Ana Mae no Congresso Latino Americano de Arte-Educação – BH, Novembro, 2009.
Entrevista Ana Mae – Programa de 12 de outubro de 1998, http://www.tvcultura.com.br/rodaviva/programa/pgm0627
Foto em destaque: Ana Mae – Sesc-SP