A cisão nas famílias e a banalidade do mal

Eu entendo que nossa geração é fruto de um período difícil. Todos nós, filhos de Júlio e Irani nascemos na década de 60 e fomos criados num período que antecedia a ditadura. Passamos nossa adolescência durante o estabelecimento de uma ditadura militar que duraria 21 anos, de 1964 a 1985. Lembro que nessa época em nossa família os adultos não conversavam quando as crianças estavam na sala principalmente sobre política. Somos frutos dessa geração que fazia fila na entrada da aula, cantava o hino nacional e achava que o Brasil era o país que “ia pra frente”. Nosso pai nos ensinou muita coisa em relação a vida, criava competições culturais, usava o atlas para nos ensinar sobre o universo e nosso planeta, colocava nos canais de música do rádio e nos falava sobre elas, ensinava como fazer uma alimentação sadia e até a dirigir quando ainda éramos adolescentes. Nossa mãe era uma artista e nos ensinou a gostar da arte, a buscar o conhecimento (quando comprava os livros que queria dos vendedores ambulantes que passavam na cidade) e apesar de ter tido uma educação machista também nos falava da importância de estudarmos e sermos independentes. Nossa formação religiosa partiu dela e de tantas histórias que lia para nós quando pequenos. A base do conhecimento cristão que tenho começou com ela e se tornou um esteio durante anos de luta.

Eu, só comecei a entender que o país não era aquele paraíso que falavam enquanto éramos jovens, quando fui fazer faculdade em 1978. Sair de três Rios me possibilitou entender que o mundo era diferente do que eu pensava: achava que era um privilégio não termos terremotos, vulcões, grandes desastres naturais e etc. Foi muito difícil perceber o quanto eu era ignorante em relação a vida, aos acontecimentos do mundo e até a infinidade de coisas que a arte e a cultura poderia nos proporcionar e enriquecer nossas experiências.

Sinto que nossa juventude foi roubada. Tiraram nossos sonhos, nossa possibilidade de aprender a discernir o que é justiça social, fraternidade e solidariedade na medida que normalizavam o silenciamento, a censura e o medo de emitir uma opinião crítica.

Depois de tantos anos de retomada da democracia mergulhamos num período obscuro no qual políticos de direita e militares iniciaram uma retomada de poder manipulando as mentes com fake news e fazendo distorções da história e do que chamamos de liberdade. A maior perda que tivemos após o golpe contra a Dilma e a prisão premeditada de Lula foi a eleição de um energúmeno que se mostrou incompetente e cruel quando contribuiu para que perdêssemos mais de 700.000 mil pessoas durante a pandemia. Por estar preocupado só consigo mesmo e sua família entregou as rédeas das verbas públicas a um congresso que só pensa em legislar em causa própria. Após dividir a opinião dos brasileiros, promoveram uma tentativa de golpe  e conseguiram eleger uma maioria conservadora e de extrema direita. Agora querem mais verbas para suas emendas e retiram toda a possibilidade do governo Lula fazer mudanças que diminuam a grande desigualdade social em que vivemos.

Mas, a herança maldita que a direita semeou no Brasil foi a cisão das famílias brasileiras a partir do momento em que utilizaram as redes sociais para mentir e distorcer a nossa história e principalmente utilizar a religiosidade do povo para alimentar conceitos distanciados do cristianismo ao defender o uso das armas, desmobilizar as instituições que sempre defenderam a diversidade e a proteção do meio ambiente.

Confesso que as vezes não acredito em tamanho retrocesso, mas sim, hoje eu entendo como durante a segunda guerra mundial um líder do mal pode fazer tantas atrocidades contra os judeus, ciganos e outras minorias sem que o povo alemão reagisse contra.

A ascensão da direita em nosso país está associada a nossa falta de investimento em educação, na falta de um posicionamento crítico e compreensão da grande distorção que existe em nossa sociedade e na consequente falta de justiça social. Rose Valverde 28/6/2025

hannah arendt - A cisão nas famílias e a banalidade do mal
“Vivemos tempos sombrios, onde as piores pessoas perderam o medo e as melhores perderam a esperança”

“Hannah Arendt *, foi chamada para assistir e escrever sobre o julgamento de Adolf Eichmann, um dos responsáveis pelas atrocidades cometidas pelos nazistas. Foi nesse grande momento que ela escreveu sobre a Banalidade do mal, o mal banal do indivíduo.

COMO O CONCEITO DE BANALIDADE DO MAL É USADO NA ATUALIDADE?

A falta de reflexão crítica sobre determinados assuntos gera a falta de compromisso ético em grandes proporções. É na banalização do que é antiético que deixamos o juízo de lado e seguimos a massa.

O problema é que essa ausência de pensamento se traduz na banalidade do mal. A paixão pela instrumentalidade é a consequência de pensamentos vazios e das diversas formas banais apresentadas nas sociedades do mundo todo.

Vivenciamos na época de grandes movimentos que estimulam o ódio contra grupos religiosos e étnicos. Esses grupos agem em nome de uma nação, ameaçando as instituições democráticas.

É nessa época de fake news e corrupção que percebemos uma grande normalização de comportamentos antiéticos sendo fundamentados pelo equilíbrio ou pela segurança institucional.

Essa normalização de comportamentos prejudica a democracia, as organizações democráticas e a compreensão de cada indivíduo sobre o que é correto ou não.

É na banalização do que é antiético que surge os grandes movimentos antidemocráticos e totalitários. É aí que a democracia é ameaçada.”

Fonte: https://www.politize.com.br/hannah-arendt-banalidade-do-mal/

*Nascida na Alemanha, em 14 de outubro de 1906, Hannah Arendt foi uma filósofa e teórica política de origem judaica. Foi uma grande pensadora do século XX. Forçada a fugir da Alemanha por conta da ascensão do nazismo, mudou-se para os Estados Unidos, onde conseguiu a cidadania estadunidense, permitindo a sua atividade como professora convidada em universidades e seu trabalho no livro “Origens do Totalitarismo“. Hannah Arendt buscava a compreensão da origem do nazismo, a partir das inquietações sobre os regimes totalitários. Suas principais obras foram: Eichamnn em Jerusalém, As Origens do Totalitarismo e A Condição Humana e Entre o Passado e o Futuro. Ela continuou publicando textos na década de 60 e faleceu em 04 dezembro de 1975, aos 69 anos de idade, devido a um ataque cardíaco.