Bernardo Mascarenhas nasceu em 30 de maio de 1847 e como estamos pesquisando sua história para o projeto Bernardo Mascarenhas, um homem várias histórias, da Cedro e Cachoeira até os dias de hoje, não poderia deixar de prestar uma homenagem.
Vou reproduzir algumas rimas do Zé Piloto que escreveu em sua coluna Rimas Sem Rumo, na Gazeta da Tarde de 26 de agosto de 1889:
Não estou em mim. Não posso
Em saudar a todos ardo.
Viva, viva, viva o nosso
Caro Bernardo”
No livro Bernardo Mascarenhas Desarrumando o arrumado – um homem de negócios do século XIX, Alisson Mascarenhas Vaz pode nos mostrar um pouco da personalidade de Bernardo, reproduzo um trecho da introdução:
Bernardo Gonçalves da Silva Mascarenhas não foi apenas um rico homem de negócios que viveu na segunda metade do século XIX, em Minas Gerais. Ele foi, antes de tudo, um inovador em tudo que fez em sua curta vida de apenas 52 anos, dos quais 31 dedicou a projetos industriais, dois deles pioneiros. Uma fábrica de tecidos, em 1872, no arraial do Cedro, que foi a primeira da Província de Minas Gerais e uma usina hidrelétrica, em 1889, que foi a pioneira na América do Sul, fornecendo energia para a iluminação pública e particular de Juiz de Fora.
Ele foi um obcecado pelas novas tecnologias que dominaram o século XIX. Foi um inovador por excelência, que conseguiu desviar parte da fortuna da família Mascarenhas para outras atividades que não a agricultura, a pecuária, o comércio e a financeira a que se dedicavam os seus endinheirados membros, que viviam no sertão da Província de Minas Gerais.
Na pasmaceira do interior da Província, quando se acordava às quatro da madrugada, almoçava-se às dez, jantava-se às quatro e dormia-se às oito da noite, utilizando-se a mão-de-obra escrava predominantemente, enquanto as escravas iniciavam os jovens filhos da aristocracia agrária na vida sexual, no sertão, em que o silêncio só era cortado pelas chibatadas do feitor, pelo canto sofrido dos escravos, pelo ranger dos carros de boi, pelo uivar das feras nas matas e pelo canto dos pássaros, Bernardo introduziu o trabalho livre e o barulho cadenciado dos teares.
Talvez, convencido de que havia se transformado em um estorvo para aqueles que faziam restrições a suas ideias avançadas para aquele meio, buscou novos ares em um centro urbano em franca expansão como era Juiz de Fora, no qual haveria maior receptividade a seu génio empreendedor. Foi recebido com fama de industrial competente e realizador audacioso, mas bastou que procurasse introduzir a eletricidade na semiescuridão da luz fraca dos lampiões, para que sofresse a desconfiança da imprensa e de parte da população.
Bernardo vinha sempre para desarrumar o arrumado. Como fizera no sertão, ele chegava para subverter o cotidiano daquela Juiz de Fora ainda provinciana, dando-lhe ares de cidade cosmopolita, introduzindo a luz elétrica que até então era privilégio de raras cidades brasileiras e das metrópoles europeias e norte-americanas. Arriscando sua reputação e seu capital, não optou, como fizera a cidade de Campos no Rio de Janeiro, por uma usina termelétrica de eficácia conhecida, mas que necessitava do carvão importado, preferindo utilizar a água, abundante no país, mas cuja eficiência ainda provocava acaloradas discussões entre especialistas, quanto ao melhor sistema para a condução da energia a longa distância.
Bernardo chegou a Juiz de Fora, quando as campanhas abolicionista e republicana já eram uma realidade, na contramão da elite política, que se confundia com a económica, embora precisasse e fizesse parte dela. Se é verdade que essa elite buscava construir uma identidade moderna para se alinhar com a postura imperial estabelecida a partir da Corte, produzindo uma “modernização conservadora”, no dizer de James W. Goodwin Jr., a modernidade pretendida por ele, ao contrário, nada tinha de conservadora, uma vez que não se alinhava com a preservação do regime imperial, mas sim com o advento da república. Ao conjugar modernidade e república, o que ele buscava era não só subverter a ordem económica, mas também a política dentro de parâmetros que não eram os da elite juiz-forana. A sua modernidade, a companhada da república, almejava abalar os alicerces do Império e com ele a sua sustentação económica que se baseava no trabalho escravo e na agricultura. Bernardo era republicano e industrial.
Se Bernardo foi muito mais um homem de ação que de pensamento, este não esteve totalmente dissociado de sua prática empresarial, que foi decisiva para o processo de industrialização de Minas Gerais, do qual ele foi a figura mais representativa.
Realmente, Bernardo teorizou pouco ou quase nada sobre o desenvolvimento económico, principalmente o industrial, dos últimos trinta anos do século XIX. Podemos apenas encontrar algumas posições nacionalistas em trechos de cartas que escreveu para alguns amigos e, principalmente, para os irmãos. Embora tivesse como modelo o capitalismo inglês, que ele conheceu bem em sua primeira viagem à Europa em 1874, sempre procurou adaptá-lo à realidade brasileira, apesar de todas as limitações da época. Embora acreditasse na iniciativa privada como força propulsora do desenvolvimento económico, para o qual cabia ao Estado um papel regulador, em determinadas circunstâncias acreditava na necessidade de sua intervenção direta.
Na sua prática econômica, não foi por acaso que optou por uma usina hidrelétrica ao invés de uma termelétrica ao conceber a iluminação elétrica de Juiz de Fora. A água como geradora de energia encontrava-se em abundância na natureza bastando captá-la, enquanto havia necessidade de se importar carvão para acionar uma termelétrica. Este traço nacionalista sempre esteve presente em seu pensamento industrial. O protecionismo que defendia para o café, aliado a um câmbio favorável, não deixava de refletir essa sua posição.
Também não pode passar desapercebida a sua insistência com relação à mão-de-obra técnica para a indústria têxtil que ele queria nacional, insistindo que os técnicos estrangeiros, além de receberem altos salários, não transferiam seus conhecimentos, mas, ao contrário, faziam deles motivo para criar laços de dependência junto aos empresários pioneiros que investiam no setor.
O que sempre pregou Bernardo – não foi por acaso que em sua primeira estada na Inglaterra frequentou as oficinas de fabricantes de máquinas, tornando-se um hábil maquinista apto a transmitir seu conhecimento para jovens operários brasileiros – foi que havia necessidade de se livrar da dependência do técnico estrangeiro, não só para que as fábricas ficassem desobrigadas do pagamento de salários em moeda estrangeira, mas, principalmente, porque era necessário formar uma mão-de-obra autóctone que pudesse dar maior segurança aos novos industriais.
É preciso, portanto, que busquemos as raízes do pensamento e da atuação empresarial de Bernardo, já que, através de sua origem – nascido e criado em um meio agrário, conservador e escravocrata – nos parece difícil encontrar as respostas para a sua formação moderna, republicana e industrial.”
Temos muito a dizer sobre ele e poderão conhecer em breve quando finalizarmos nosso projeto com uma história em quadrinhos que contará parte de sua vida.
Até lá!